Carta das organizações indígenas e indigenistas sobre a criação de novo mecanismo de financiamento de projetos dos povos indígenas

O Fundo Amazônia foi criado para apoiar ações que contribuam com a prevenção,
monitoramento e combate ao desmatamento e promoção da conservação e uso
sustentável da Amazônia Legal. O público alvo prioritário do Fundo são as
comunidades tradicionais e povos indígenas, assentados da reforma agrária e
agricultores familiares, conforme definido nos critérios orientadores do Fundo
Amazônia.
Desde sua criação tem sido uma demanda da sociedade civil brasileira, representações
indígenas e de organizações não governamentais, que o Fundo Amazônia viabilize o
apoio a projetos das próprias organizações locais, tais como associações indígenas,
quilombolas, de extrativistas, assentados e pequenos agricultores.
A gestão autônoma de projetos é fundamental para o fortalecimento das organizações
e comunidades tradicionais, peça chave para garantir uma perspectiva de longo prazo
para os resultados do Fundo Amazônia. Contudo, é marcante a dificuldade de acesso
destas organizações – e de forma ampliada de todas as organizações da sociedade
civil – aos recursos do Fundo Amazônia. O rito e as exigências a serem cumpridas para
a aprovação e contratação de projetos, enquanto procedimento padrão de sua
instituição gestora, não dialogam com a realidade, estrutura e escopo de atuação
destas organizações. Fato este que se reflete no panorama da carteira de projetos do
Fundo Amazônia que, dentre os 104 projetos existentes, apenas 11 são voltados para
terras indígenas, e apenas um único projeto de organização local contratado
diretamente pelo Fundo Amazônia, a saber o projeto da Associação dos Ashaninka do
Rio Amônia – APIWTXA, assinado em abril de 2015 (fonte:
www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Projetos_Apoiados/
Carteira_Projetos). O fato de que após tantos anos apenas um projeto de uma
organização indígena seja apoiado diretamente pelo Fundo Amazônia demonstra a
dificuldade de fazer avançar esse tipo de apoio.
Apesar dos avanços nas modalidades de apoio a organizações locais, consideramos
fundamental que os povos indígenas apresentem aos doadores do Fundo Amazônia
uma solução alternativa e autônoma de gestão de recursos para o apoio a
organizações locais representativas de comunidades tradicionais. Um mecanismo
desenhado de acordo com as especificidades das organizações indígenas, que reflita
em sua estrutura de governança as formas de organização e tomada de decisão dos
povos indígenas e que tenha como missão o apoio e o fortalecimento da autonomia
indígena na gestão de seus territórios. Nesse sentido, esperamos que a criação desse
novo mecanismo de acesso direto pelos povos e organizações indígenas possa ser
considerado pelos doadores do Fundo Amazônia como uma alternativa para fazer
chegarem os recursos diretamente às organizações locais. Ressaltamos que somos
igualmente favoráveis a outras soluções que possam atingir os mesmos objetivos,
como o apoio ao Fundo Norueguês para Povos Indígenas, gerido pela Embaixada da
Noruega no Brasil.
A proposta de mecanismo visa contemplar não somente as terras indígenas da
Amazônia, mas também outras regiões, considerando a relação ecossistêmica entre os
diferentes biomas e o papel fundamental das terras indígenas, independente de sua
localização geográfica, na conservação da biodiversidade.
A idéia de criar um fundo para apoio a projetos em terras indígenas faz parte da pauta
de reivindicações do movimento indígena internacional já há décadas. No Brasil, a
discussão mais recente aconteceu em 2005, por ocasião do desenho da primeira
versão do projeto GEF Indígena, onde foi prevista a criação de um Fundo Indígena
para a conservação da biodiversidade em terras indígenas.
Mais recentemente, a idéia da criação de um Fundo foi discutida no âmbito do grupo de
trabalho criado pelo Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA) para tratar as
demandas indígenas ao Fundo Amazônia.
Na discussão sobre melhor alternativa de mecanismo para apoiar a elaboração e
implementação dos Planos de Gestão Ambiental das Terras Indígenas, identificou-se
como solução mais sustentável e perene a criação de um Fundo específico de apoio a
projetos em terras indígenas.
Nesse sentido, o momento nos parece muito oportuno para avançar no diálogo entre as
organizações indígenas e indigenistas, doadores internacionais e governo brasileiro, no
sentido de apresentar aos doadores um mecanismo que contemple, de fato, os anseios
e propostas dos povos e organizações indígenas do Brasil.
Para viabilizar a criação deste Fundo Específico, a Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil – APIB e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira –
COIAB, em parceria com as organizações indigenistas listadas abaixo, propõe a
seguinte agenda de trabalho:
1. Sistematização das propostas já existentes; identificação de experiências
regionais ou em outros países;
2. Realização de Encontro Nacional com representantes de todas as regiões para
disseminação de informações e construção de propostas;
3. Criação de uma Comissão para consolidação e implementação da proposta.
Desta forma, contamos com o interesse de nossos parceiros e doadores em apoiar
essa iniciativa e destinar recursos que possam apoiar a gestão dos 13% do território
brasileiro reconhecido como Terras Indígenas, consolidando assim um mecanismo de
apoio à gestão autônoma dos territórios indígenas por seus povos e organizações.
 

Atenciosamente,
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Conselho Indígena de Roraima – CIR
Associação Floresta Protegida – AFP
Instituto Socioambiental – ISA
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
Comissão Pró-Índio do Acre – CPI/AC
Operação Amazônia Nativa – OPAN
The Nature Conservancy – TNC
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Estado do Acre –
AMAAIAC
Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina
Associação Terra Indígena Xingu – ATIX
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN
Hutukara Associação Yanomami – HAY
Organização Geral Mayuruna – OGM
Organização dos Professores Indígenas no Acre – OPIAC
Associação Wyty-Catë das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins
Federação das Comunidades e Organizações Indígenas do Médio Purus – FOCIMP
Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Abre – OPIAJBAM
Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Pauini – OPIAJ
Associação do Povo Indígena Jiahui – APIJ
Organização do Povo Indígena Parintintin do Aamzonas – OPIPAM
Associação do Povo Indígena Tenharim do Igarapé Preto – APITIPRE
 
sobrevoo-4
 
LETTER FROM THE INDIGENOUS AND INDIGENIST ORGANIZATIONS ON THE
CREATION OF A NEW PROJECT FUNDING MECHANISM FOR INDIGENOUS
PEOPLES
The Amazon Fund was created to support actions that contribute to deforestation
prevention, monitoring, and combating, and promoting conservation and sustainable
use of the Amazon. The Fund’s primary target audience includes traditional
communities and indigenous peoples, agrarian reform settlers and family farmers, as
defined in the guiding criteria of the Amazon Fund.
Since its inception, Brazilian civil society, indigenous representatives, and
representatives of non-governmental organizations, have been demanding that the
Amazon Fund provide support for projects of local organizations, such as indigenous,
quilombolas, extractive-farmer, and marginal-farmer associations.
Autonomous project management is critical to strengthening the organizations and
traditional communities, and key in ensuring long-term perspective for the results of the
Amazon Fund. However, access to the resources of the Amazon Fund for these
organizations, and for all civil society organizations, for that matter, proves to be
remarkably difficult. The policies and requirements to be met for the approval and
contracting of projects, although in compliance with the standard procedure adopted by
the management institution, do not communicate with the reality, structure, or scope of
these organizations’ activities. This fact is reflected in the panorama of the Amazon
Fund’s project portfolio, in which, of the 104 existing projects, only 11 benefit indigenous
lands, and only one single local organization project is hired directly by the Amazon
Fund, namely, the project of the Ashaninka Association of the Amônia River –
APIWTXA, signed in April 2015 (Source:
www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Projetos_Apoiados/
Carteira_Projetos). The fact that after all these years only one project of an indigenous
organization is directly supported by the Amazon Fund demonstrates the difficulty of
having this kind of support advance.
Despite the advances in the support of local organizations, we consider it essential for
the indigenous peoples to present to the Amazon Fund donors an alternative and
autonomous solution for the management of resources aimed at supporting local
organizations representative of traditional communities. A mechanism designed in
accordance with the specific characteristics of the indigenous organizations, and that
reflects, in its governance structure, the organizational and decision-making ways of the
indigenous peoples, and that has the mission to support and strengthen indigenous
autonomy in managing their territories. In this sense, we hope that the creation of this
new mechanism for direct access by indigenous peoples and organizations can be
considered by the Amazon Fund donors as an alternative, so that resources can directly
reach local organizations. We emphasize that we are equally in favor of any other
solutions capable of achieving the same goals, such as the Norwegian Fund for
Indigenous Peoples managed by the Norwegian Embassy in Brazil.
The mechanism proposal aims to encompass not only indigenous lands in the Amazon,
but also other regions, considering the ecosystemic relationship between the different
biomes and the fundamental role of indigenous lands, regardless of their geographic
location, in biodiversity conservation.
The idea of creating a fund to support projects on indigenous lands has been part of the
agenda of demands of the international indigenous movement for decades. In Brazil,
the most recent discussion took place in 2005, during the design of the first version of
the Indigenous GEF project, where the creation of an Indigenous Fund for biodiversity
conservation on indigenous lands was envisioned.
More recently, the idea of creating a fund was discussed within the workgroup created
by the Amazon Fund Guidance Committee (COFA) to deal with the indigenous
demands to the Amazon Fund. In discussing the best mechanism alternative to support
the development and implementation of the Plans for Environmental Management of the
Indigenous Lands, the most sustainable and lasting solution identified was to create a
specific fund to support projects on indigenous lands.
In this sense, the moment seems right to advance the dialogue between the indigenous
and indigenist organizations, international donors, and the Brazilian government, in
order to present donors with a mechanism that would, in fact, encompass the wishes
and proposals of the indigenous peoples and organizations of Brazil.
In order to make the creation of this Specific Fund possible, the Association of
Indigenous Peoples of Brazil – APIB and the Coordination of the Indigenous
Organizations of the Brazilian Amazon – COIAB, in partnership with the indigenous
organizations listed below, proposes the following agenda:
1. Systematization of the existing proposals; identification of regional experiences
or in other countries;
2. Holding of National Meeting with representatives from all regions to disseminate
information and build proposals;
3. Creation of a Commission for consolidating and implementing the proposal.
Therefore, we count on our partners’ and donors’ interest in supporting this initiative and
allocating resources that can support the management of 13% of the Brazilian territory
recognized as Indigenous Lands, thus consolidating a mechanism for supporting the
autonomous management of indigenous territories by their peoples and organizations.
Regards,
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB Conselho
Indígena de Roraima – CIR
Associação Floresta Protegida – AFP
Instituto Socioambiental – ISA
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
Comissão Pró-Índio do Acre – CPI/AC
Operação Amazônia Nativa – OPAN
The Nature Conservancy – TNC
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Federação das Comunidades e Organizações Indígenas do Médio Purus – FOCIMP
Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Abre – OPIAJBAM
Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Pauini – OPIAJ
Associação do Povo Indígena Jiahui – APIJ
Organização do Povo Indígena Parintintin do Aamzonas – OPIPAM
Associação do Povo Indígena Tenharim do Igarapé Preto – APITIPRE

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